ERA UMA VEZ UM NARIZ…

common-cold-childEra uma vez um nariz que vivia feliz. Ele e seu dono (cada um é dono do seu nariz!), andavam para lá e para cá. O nariz avisava a seu dono dos cheiros que iam passando. Cheiros gostosos de flores, de chuva, de mamãe e papai, de comidas. Também avisava quando o cheiro não era tão bom, como cheiro de pum, de fumaça ou de coisas estragadas. Claro que, de vez em quando, o nariz aparecia com uma melequinha que o dedo do dono rapidamente se encarregava de futucar e catar. Outros dias, dava um sinal sonoro de vida, espirrando. E assim a vida corria tranquila.

Até que um dia, um belo dia, um vírus, entrou no nariz. Para quem não sabe, o vírus não é um ser vivo, como outro personagem do bando dos agentes infecciosos, as bactérias. Mas, outro dia eu conto a história das bactérias. Os vírus são pedacinhos de material genético (DNA ou RNA), guardados dentro de uma camada de proteína e com um envelope de gordura. O que o vírus mais gosta de fazer é entrar dentro de uma célula, qualquer célula e bagunçar a vida dela, misturando o seu material genético com o da célula. Por isso que o corpo se defende quando percebe que um vírus chegou.

Pois bem, na nossa história  o tal vírus, do bando dos agentes infecciosos, se instalou no nariz (e seu dono). Muita gente acha que o vírus gosta de viajar de avião, pelo ar, sentado na primeira classe das minúsculas partículas que saem das nossas bocas quando falamos ou dos nossos narizes quando espirramos. Vírus até viaja de avião, mas, vou contar um segredo para vocês- eles têm medo de avião! Preferem viajar nas mãos das pessoas, onde se sentem muito mais seguros. Uma mão com vírus, diz bom dia para outra e o vírus pula para esta. A pessoa então coça o nariz e ….. olha o vírus entrando. Foi o que aconteceu com nosso nariz. Por isso que uma das maneiras de se prevenir que os vírus circulem é lavando as mãos.

Quando o vírus entrou no nariz da nossa história, o seu dono nem percebeu. Mas, seu corpo, esperto, rapidamente começou a se organizar para evitar que o vírus fizesse a bagunça que gosta de fazer. O nome dessa organização que o corpo faz, para se defender desses invasores é reação inflamatória. Vamos ver o que aconteceu então com o nariz (e seu dono).

Assim que as células perceberam a chegada e tentativa de entrada do vírus, dispararam o alarme, liberando substâncias químicas como as citocinas. Citocinas são histéricas! Sei que eu não deveria falar assim delas, afinal de contas, tão importantes. Mas, o fato é que saem correndo, gritando, avisando, cutucando as células que são as responsáveis pelas defesa contra a invasão do inimigo. Abaixo da primeira camada de células do nariz, ficam os Mastócitos. Estão ali, meio que de bobeira, só dando uma olhada no ambiente. Quando soa o alarme que um inimigo está invadindo, o Mastócito solta uma substância chamada Histamina. Talvez, alguns leitores deste conto do resfriado comum, já tenham ouvido falar em um tipo de remédio chamado de anti-histamínico ( que tenta neutralizar a Histamina). Pois bem, a Histamina, o que faz? Ela corre para os pequenos vasos (por onde passa o sangue) e faz com que aumentem de tamanho. Isso, os médicos e cientistas, que adoram nomes complicados, chamam de vasodilatação. E, talvez, alguns já tenham ouvido falar em outro tipo de remédio, os vasoconstritores, cuja função seria devolver os vasos sanguíneos para seu tamanho normal. A vasodilatação faz com que algum líquido e células, que estavam dentro do vaso sanguíneo, extravasem, transbordem, produzindo edema (inchaço). Isso tudo está acontecendo no mundo microscópico das células do nariz da nossa história.

E o que sente o dono do nariz?  Como houve vasodilatação e edema, sente seu nariz entupido. A seguir, o seu corpo vai produzir secreção, para tentar eliminar o vírus. Essa secreção pode ser clarinha e escorrer pelo nariz, quando ganha o nome de coriza, ou pode ficar mais espessa e ser produzida em todo o aparelho respiratório, já merecendo ser chamada de catarro.

Tudo isso que está acontecendo com o nariz da nossa história e seu dono, é a tal reação inflamatória, cujo objetivo é organizar o “campo de batalha” para oferecer as melhores condições de vitória para o corpo do nariz e seu dono. Como o vírus da nossa história era bem mau, ele não deu muita bola para essas primeiras reações. Aí o corpo resolveu pegar mais pesado. Decidiu esquentar a briga e…. produziu a febre. A febre, animou os soldados de defesa (as células envolvidas como linfócitos, monócitos, neutrófilos, eosinófilos, basófilos etc.) e derrubou o dono do nariz. Era importante, nesta hora, que o corpo pudesse se dedicar a organizar a defesa ao invés de ficar correndo, brincando ou indo para a escola. Como o vírus, esse bandido resistente, ainda não tivesse sido vencido pelo exército (sistema imunológico), o corpo já estava produzindo catarro, para dificultar a vida do nosso inimigo. Mas, como tirar o catarro do corpo? Tossindo e espirrando!

Vejam a confusão em que o nariz e seu dono se meteram, só por causa de um vírus que veio, muito provavelmente, trazido pela mão do próprio dono do nariz! O nariz está entupido, sem sentir cheiro de nada. Gosto então, nem pensar. Comer não é algo que esse corpo deseje. No máximo, beber uma água ou um suco. Além de entupido, escorre e espirra. O dono, com febre, só quer ficar deitado. Mas, quando deita, tosse! E aí, dói a cabeça. E, não raro, o nariz e seu dono, têm mãe e pai para ajudar a cuidar. Na nossa história, que é uma fábula, portanto, em nada se parece com a realidade, a mãe do dono era uma mãe amorosa e cuidadosa. A cada cinco minutos ou verificava a temperatura, ou oferecia algo para beber ou perguntava se não queria comer nada. Não satisfeita, se aproximava do nariz, para desespero do dono, com uma coisa que ela dizia- é para o seu bem – metia um jato de uma água salgada pelo nariz adentro. O dono, ficava cada vez mais irritado e, quanto mais se irritava, mais a mãe se preocupava e imaginava novos e criativos meios de cuidar do nariz e do seu dono.

Tudo que o nariz e seu dono precisavam era de uma mãe amorosa e cuidadosa que estivesse sempre por perto, mas, não por cima, pelo lado, embaixo, por toda parte, o tempo todo. O nariz e seu dono precisavam dar um tempo para que o exército do sistema imunológico, travando a batalha da inflamação, vencesse o vírus inimigo. Essas batalhas, duram, em geral, uma semana. Algumas um pouco mais, outras um pouco menos. E assim foi com o nariz da nossa história e seu dono. Uma semana depois de tudo começar, já estavam correndo e brincando juntos e, felizes. Voltaram para a creche, quando… (ao fundo o suspiro de uma mãe desesperada, dizendo- resfriado, de novo? Não!).

Moral da história: os sintomas que nosso filhos (e nós) apresentamos quando ficamos resfriados, fazem parte dos mecanismos de defesa do nosso corpo. Visam a vencer a infecção. O problema é que a resposta inflamatória é quase perfeita. Só esqueceu de fazer isso tudo, sem nos incomodar. O mal estar, mau humor, irritação que a, tosse, nariz entupido, dor de cabeça e às vezes no corpo produzem, são muito desagradáveis. Por esse motivo, não digo que devemos deixar nossos filhos passarem por esses momentos sem nenhuma medicação, cuja finalidade é dar algum conforto (porque não existe remédio específico para os vírus). Mas, não adianta exagerarmos, dando remédios demais, a grande maioria deles ineficazes e com efeitos colaterais, para um resfriado comum que passará em uma semana. Mais importante é lembrar que ficar em cima dos nossos filhos, a cada cinco minutos tomando uma iniciativa, também pode irritá-los. Imagine-se  na cama, resfriado e com febre e uma pessoa muito querida lhe pergunta, a cada cinco minutos: quer comer? quer algo da rua? quer uma revista? quer que prepare um suco? você precisa beber água! vamos medir essa temperatura? já tomou o remédio? não é melhor ligar para o médico?  Tudo que queremos, quando estamos nesta situação é paz, sossego, um copo de água do nosso lado e uma pessoa querida e carinhosa, bem perto, mas, esperando que a chamemos. Lembremos disso ao cuidarmos de nossos filhos. Claro que crianças são diferentes e os menores não expressam com clareza seus desejos, exigindo uma atenção mais ativa e atuante. Mas, não é common-cold-girlnecessário uma vigilância que gere irritação.

Finalmente, um aviso. Até hoje, não existem remédios para se tratar de resfriados comuns. Um resfriado comum leva sete dias para ficar bom sem remédios e  uma semana, com remédios!

UMA CARONA NO  ERA UMA VEZ UM NARIZ- VACINA CONTRA A GRIPE:

Aproveito o post para lembrar que estamos na época de vacinação contra a gripe. A vacina contra a gripe protege contra as infecções causadas pelo virus influenza que não é o vírus que produz o resfriado comum, vilão da historinha que acabei de contar. O resfriado comum pode ser produzido por mais de duzentos rinovírus e alguns outros tipos de vírus. A vacina contra a gripe não protege contra o resfriado comum. Muitas pessoas alegam que não tomarão a vacina contra a gripe ou a darão para seus filhos porque no ano passado o fizeram e “não adiantou nada”, tendo tido resfriados, como sempre. A vacina contra a gripe protege contra uma doença mais grave que pode causar internação e até a morte.Não protege contra o resfriado comum que, no Brasil, também é chamado de gripe (só para confundir).

O Ministério da Saúde oferece, na rede pública, vacinas para crianças menores de cinco anos, gestantes, idosos, índios e profissionais de saúde, porque são os grupos de maior risco. Mas, todos que puderem, deveriam ser vacinados contra a gripe.

14 comentários em “ERA UMA VEZ UM NARIZ…”

  1. Lorelai Schneider

    Dr. Roberto:
    Uma das crônicas mais divertidas dos últimos tempos por aqui… Rsrsrs.
    Divertida e, ao mesmo tempo, muito informativa.
    Lorelai

    1. Dr. Roberto Cooper

      Lorelai,
      Você vai acabar recebendo o cartão fidelidade do blog! Obrigado pelos comentários, sempre gentis e motivantes.

  2. Olá Dr. Cooper! Este post foi um alento para mim… sou daquelas mães que ficam desesperadas ao menor sinal de gripe/resfriado. No caso do meu pequeno, de 2 anos, ele costuma pegar um resfriado que não passa em 1 semana (com ou sem remédio) e depois, o quadro evolui para tosse carregada e/ou garganta infeccionada, daí, sempre acabamos no antibiótico… por que é que te que ser assim, Dr. Cooper? Estamos tentando investigar se ele é alérgico, mas ele vive sempre tão resfriando, toma tanto antibiótico, que não fica bonzinho o suficiente para fazermos o exame de sangue. O que o dr. acha? E tenho muita ressalva quanto aos antibióticos, o dr. poderia me informar os seus efeitos de longo prazo? Muito obrigada desde j´!

    1. Dr. Roberto Cooper

      Prezada Ana,
      O Conselho Federal de Medicina proíbe, com razão, que médicos deem consultas pela internet. Por esse motivo, o blog não substitui uma consulta médica. Opinar sobre seu filho, sem conhecê-lo ou tê-lo examinado, seria uma irresponsabilidade minha. Espero que compreenda esta limitação da internet. De um modo genérico, o uso de antibióticos não é algo opcional, do gênero, posso ou não usar. Deve ser usado sempre que indicado e não deve ser usado quando não está indicado. Quando está indicado, seus benefícios superam os efeitos colaterais. Quando não está indicado, favorece o crescimento de bactérias resistentes, tornando o controle das infecções mais difícil (no longo prazo). Nem sempre um quadro mais arrastado exige antibióticos. Seu pediatra é a melhor pessoa para lhe orientar, com relação a seu filho.

  3. Olá! Que alegria encontrar esse Blog! Melhor ainda ler esse texto onde eu pude entender o que acontece na maioria das vezes com meu filho, estava nesse momento procurando artigos sobre resfriado, já que meu filho mal sarou de 1 há uma semana atrás e já está resfriado novamente, apesar de todo cuidado e uma alimentação super balanceada.
    Obrigada por compartilhar seu conhecimento conosco! Virei seguidora! Parabéns pelo Blog!

    1. Dr. Roberto Cooper

      Prezada Érica,
      Obrigado por participar do blog e pelas palavras gentis. Fico feliz quando o que eu escrevo pode ser útil para outra pessoa.

  4. Olá doutor, adorei o seu blog! Tenho uma dúvida em relação a esse post: é possível a primeira defesa do organismo para o resfriado ser a febre? Meu filho de 2 anos, sempre apresenta febre como primeiro sintoma de qualquer coisa. Normalmente é uma virose. Mas ontem foi diagnosticado com resfriado, porém até agora só apareceu febre e hoje nariz congestionado (hj é o 3o dia, febre alta nos três dias), não espirra, não tem tosse. O resfriado tem que necessariamente apresentar todos os sintomas que vc descreveu ou febre e nariz entupido tb é um resfriado? Muito obrigada pela atenção. Abraços, Daniela.

    1. Dr. Roberto Cooper

      Prezada Daniela,
      Obrigado por participar do blog. Em medicina, a regra é não ter regras. Cada indivíduo responde de uma determinada forma à uma agressão por virus (ou qualquer outra), bem como à medicação (um exemplo simples- algumas pessoas têm alergia a um remédio, outras, não). Para complicar a vida dos médicos, uma mesma pessoa pode responder de formas diferentes, no tempo. Portanto, a resposta à sua pergunta é que o resfriado não precisa apresentar todos os sintomas que eu descrevi. Pode ser uma combinação nova, a cada resfriado!

      1. Muito obrigada pelo retorno, doutor! Vc é muito gentil! Primeiro por nos proporcionar todas essas informações aqui no blog e segundo por efetivamente responder as nossas dúvidas e perguntas! Primeira vez que alguém me reponde num blog! 😉 Valeu! Abraços, Daniela.

    1. Dr. Roberto Cooper

      Prezada Daniele,
      Obrigado por participar do blog. Fico feliz quando o que eu escrevo pode ser útil para outra pessoa. Não atendo na Barra.

  5. Dr boa noite… Meu filho de 1 ano e três meses está terminando um tratamento com clavulim por otite, situação em que ele teve uma crise forte de convulsão, e agora no fim do tratamento, começou a querer ficar febril, com 37…. 37,1 de temperatura, isso e normal? Obrigado

    1. Dr. Roberto Cooper

      Prezado Andrei,
      O Conselho Federal de Medicina proíbe consultas pela internet. Opinar sobre a sua filha, sem te-la examinado, seria irresponsabilidade minha. Sugiro que ela seja reavaliada pelo médico que prescreveu o Clavulim.

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