A IMPORTÂNCIA DA RELAÇÃO COM O PEDIATRA.

pediatraEm um mundo onde, graças à tecnologia, tempo e espaço estão cada vez mais curtos, podemos ficar com a impressão de que tudo pode (e deve) ser rápido, objetivo, prático. A lógica de que tempo é dinheiro acaba “contaminando” a vida e o que seria um modelo econômico eficiente (o mercado), extrapolou para a vida, como um todo. Ocorre que o tempo não é sinônimo de dinheiro, mas é o tecido, tela ou pano de fundo onde cada um vai imprimir a sua vida. E a vida nos dá sinais de que tem lá seus tempos, que não mudam, por mais rápido que fiquem os computadores, carros e aviões. Uma gravidez continua levando nove meses, uma criança leva um ano para andar e um resfriado, uma semana para ficar bom!

Mas, o que tem essa introdução a ver com o tema do post de hoje? Na medida em que tudo ao nosso redor fica mais rápido, o mesmo acontece com nossas relações. SMS, Tweeter, Facebook, e-mail, agilizam e otimizam nossas comunicações. Esse é o lado bom da tecnologia. Mas, podem nos fazer crer que tudo é otimizável, como, por exemplo, uma consulta médica. O que passa a importar é a capacidade do médico chegar, rapidamente, a um diagnóstico e prescrever o remédio correto, de preferência que aja em poucas horas! Nesse cenário, para que estabelecer um vínculo, uma relação, com o pediatra? O melhor pediatra é aquele mais perto, com menor espera e maior índice de acerto. Claro que todos esses atributos são desejáveis. Mas, não dão conta de um mundo de questões que surgem no crescimento e desenvolvimento das crianças.

Crianças, como todos os seres humanos, são indivíduos únicos, pertencendo a uma família única, com uma história e tradição, únicas. Olhar para uma criança, exclusivamente, através do conhecimento de um livro de medicina é não enxergar uma série de fatores que influenciam na sua saúde. Se não fosse verdadeira essa minha afirmação, já teríamos programas de computador onde colocaríamos a idade, sexo, sinais e sintomas da criança e receberíamos um diagnóstico e tratamento, impressos, em segundos! Isso não é possível exatamente porque nenhuma criança no mundo se encaixa perfeitamente em um modelo estatístico puro. Medicina é, portanto, uma atividade fortemente apoiada na ciência, nas evidências demonstradas de forma rigorosa, mas que envolve um lado artesanal do médico. Um dos perigos do fetiche da ciência (e sou um incansável defensor do método científico rigoroso) é tentarmos encaixar nossos pacientes nos protocolos padrão, desenvolvidos através de excelente pesquisa. O que um bom médico deve fazer é um pouco diferente. Utilizando os protocolos ou conhecimentos existentes, deve adaptá-los à individualidade de cada um. Para esta criança, posso esperar mais um dia antes de dar o remédio tal; para aquela, preciso intervir mais cedo. Ou ainda, com esta família posso “negociar” mais alguns dias sem grandes intervenções, com aquela, é preciso um tipo de conduta diferente.

Esse lado artesanal da medicina só se consegue quando se tem uma relação com o paciente e a sua família. Quando são conhecidos e já acumulamos experiência suficiente para entender ao menos parte da individualidade da criança e sua família. Além disso, existem muitos aspectos em pediatria que não se referem a doenças. O pediatra interage, frequentemente, com a família em questões de educação e comportamento. Estas não estão nos livros de medicina clássicos e não possuem protocolos. Como conversar sobre esses assuntos, sem ter um conhecimento, uma relação de confiança mútua, com a família? Impossível!

O que estamos vivendo hoje, é uma desvalorização dessa relação com o médico. Cada vez que uma criança é levada a um pronto atendimento pediátrico, público ou privado, será visto por um médico que, desconhecendo a criança e a família, aplicará um protocolo padrão. O resultado será, inevitavelmente, exames pedidos sem necessidade e mais remédios prescritos, do que o necessário. O médico que está vendo a criança somente aquela vez, não tem a segurança que uma relação pode dar para adequar o seu conhecimento científico àquela criança. Os pais, por sua vez, passam a ficar menos tolerantes ou seguros com alguns sintomas e correm para o pronto atendimento, imediatamente. Não possuem um pediatra em quem possam confiar, para lhes orientar e evitar o excesso de exames e remédios que pode ser prescrito em um modelo onde não há uma relação, apenas um atendimento.

Eu sei que, muitas vezes, o pronto atendimento é muito mais conveniente. Não precisa marcar consulta, a espera é razoável e os médicos bons. Mas, se ficarmos somente no aspecto da conveniência, perdemos algo fundamental em medicina que é a relação com o médico. Essa relação de confiança é o que permite pensarmos em saúde de forma mais ampla e abrangente e não apenas na cura das eventuais doenças que surjam ao longo da vida. Curiosamente ou felizmente, saúde interessa e motiva a todos. Vejo aqui pelo blog que os temas que abordam doenças fazem menos sucesso do que os que falam de aspectos mais amplos da saúde. A pergunta que eu não sei responder é: se existe o interesse, por que não estamos investindo em construir relações médico- paciente? Por que não exigimos uma consulta (pública ou privada) menos corrida, não focada somente em sinais e sintomas de doenças? Por que estamos indo cada vez mais nos pronto atendimentos e menos nos consultórios?

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12 comentários em “A IMPORTÂNCIA DA RELAÇÃO COM O PEDIATRA.”

  1. Bom dia Dr. O tema de hoje é muito interessante. Eu vinha me perguntando se isso incomodava só à mim.
    Nas visitas ao consultório percebo um protocolo de atendimento, todo mês os mesmos procedimentos e as mesmas poucas perguntas, não tenho espaço para discutir alguns assuntos que julgo importantes, para esses busco as respostas em blogs como o seu e outros sites que acredito serem confiáveis. Quando consigo introduzir uma pergunta em meio ao processo da consulta, a resposta quase sempre é a mesma: “isso é normal mãe”. E ponto final.
    Tenho a sensação de que o pediatra não conhece o meu filho, e que eu poderia acrescentar várias observações que poderiam ser valiosas.
    Não sei se a causa esta no “mundo de hoje”, se nos baixos valores repassados pelos planos de saúde, ou se na falta de amor a profissão. Mas sinto falta de ver as crianças chamarem seus médicos de tios, como na minha época.
    Mais uma vez parabéns pelo tema abordado.

    1. Dr. Roberto Cooper

      Prezada Aline,
      Obrigado por sua participação. Provavelmente todas as causas que citou contribuem para essa situação. Mas, os pacientes e seus pais deveria ou poderiam exigir uma mudança. No setor privado, são consumidores que pagam (caro) seus planos de saúde. No setor público, são cidadãos com o direito constitucional de acesso à saúde e, na grande maioria, pagadores de impostos.
      É uma situação complexa que merece o investimento de tempo, para tentar modificá-la. Uma vez mais por contribuir para essa discussão.

  2. Uma idéia seria que todo pediatra reservasse 2 horas por dia pra emergências que seriam agendados somente no dia, assim não seria necessàrio ir pra outros serviços. Falo isso pq tive minha filha na França e là era assim. Sempre que tinha uma emergência conseguia encaixar, mas as secretàrias faziam uma boa triagem pra ver se realmente era urgente, deviam ter formaçao na àrea de saúde.
    Aqui eu sinto falta desse relaçao pela dificuldade em marcar uma consulta. Parabéns pelo texto.

    1. Dr. Roberto Cooper

      Prezada Renée,
      Interessante seu comentário. Mas, é preciso esclarecer que o sistema françês é muito diferente do nosso. Lá, as consultas feitas no consultório do médico, são pagas pela previdência social. Além disso, os medicamentos prescritos são gratuitos.O médico recebe uma remuneração adequada ou satisfatória. Aqui, reservar duas horas do seu dia (digamos de 8h), representa 25% do seu tempo. Com o valores pagos pelos planos, seria um suicídio econômico. Mas, repito, sua ideia é boa, na medida em que fala de uma melhor organização do tempo.
      Para o Brasil, penso que deveríamos todos entender que o SUS não foi concebido para pobres e sim para todos. Enquanto for um sistema para pobres, não vai funcionar.

  3. Olá Dr.Cooper,

    Tema interessante e que abre uma enorme fonte de troca de informação.
    Concordo com tudo colocado e com os comentários.
    Na Brasil eu costumava ir com a minha filha a um pediatra particular. Consulta cara, demorava um monte para ser atendida e quando era atendida o atendimento era na velocidade da luz, isso porque minha filha sempre estava bem, digo, com saúde.
    Minhas perguntas eram sempre respondidas da mesma forma:” isso eh normal ja ja passa ” e dai vai !
    Persisti por muito tempo, me chateei diversas vezes mas nao sabia para onde correr. Recebi uma indicação e por isso eu Sabia que estava em boas mãos, mesmo sem termos afinidade.
    Hoje penso diferente…nao sei se com o próximo filho persistirei tanto.
    Acredito ser muito importante essa harmonia entre medico e paciente. Se sentir a vontade para perguntar e responder.A liberdade para se falar de questões que nao tangem so a saúde mas questões de comportamento e educação eh importante visto que mães de primeira viagem, como eu, muitas vezes se sentem inseguras para tomarem decisões.
    Fico feliz de ter encontrado, on line, um excelente pediatra ( ja nos conhecemos anteriormente) com o qual eu consiga conversar questões diversas sem ao menos te pedir uma receita médica por email ! Fascinante !!!

    Parabéns pelo blog e por ser tão participativo.

    Beijos

    Bia

    1. Dr. Roberto Cooper

      Bia,
      O fato de uma consulta ser cara, não significa, obrigatoriamente, que o profissional tem preparo ou vontade de abordar temas que não sejam os relacionados à uma visão biológica ou orgânica da medicina. Nem posso dizer que a responsabilidade seja só do médico. A formação médica é baseada nesse modelo orgânico e mecanicista e o que aprendemos na faculdade é, basicamente, a dividir o corpo humano em órgãos e sistemas e compreender as diversas doenças que podem acometer esses órgãos e sistemas. Não aprendemos muito sobre saúde, nem a pessoa, como um todo.
      Concordo que não se deva persistir em uma relação médico-paciente insatisfatória. É preciso encontrar o profissional que tenha a capacidade e o desejo de lhe atender da forma que você acha satisfatória.
      Obrigado uma vez mais por sua participação. Você menciona que nos conhecemos anteriormente. Infelizmente, não consigo me recordar de quando ou onde que nos conhecemos.

      1. Olá Dr. Cooper,

        Nos conhecemos em dezembro de 2010 no consultório do pediatra da Manuela, ela tinha 6 meses. Você quem fez o primeiro atendimento.
        Na época conversamos sobre o desenvolvimento dela e ela ainda nem sentava.
        Vocês contou da sua filha e rimos bastante dos nossos ” achismos” de pais.
        Acredito que nesta época vocês trabalharam juntos pois eu o encontrei nas demais consultas mensais que a Manuela teve e em algumas consultas no consultório de “emergência “. Depois de um tempo nao o vi mais.
        Te encontrei aqui e como me sentia a vontade nas consultas passei a navegar sempre pelo seu blog :-).
        Trocamos algumas ideias na época sobre a prisão de ventre da Manuela e acabamos concluindo que um “patê ” de ameixa a ajudaria.
        Por um longo tempo ajudou mas ela se enjoou e nunca mais quis comer.
        Depois para outras e mais outras medicações foram 2 anos e aqui estamos, aos 3anos e 5 meses e a famosa constipação continua firme e forte.

        Enfim, acho que paciente as vezes se recorda mais do medico do que o medico do paciente … Existem mais pacientes para os médicos do que médicos para os pacientes.
        🙂

        Beijos

        Bia

        1. Dr. Roberto Cooper

          Bia,
          Não é que o médico não recorde do paciente. A questão é embaralhar nomes com as imagens das pessoas. Assim, não tenho dúvidas de que Manuela e você seriam reconhecidas. O médico com quem eu trabalhava na época segue sendo um especial amigo. Nossa amizade vem do tempo da residência médica, que fizemos juntos.
          Quanto à constipação da Manuela, imagino o trabalho que dá. Mas, sugiro que você converse, uma vez mais, com o pediatra que lhe atende para ver se ele não teria nenhuma proposta de medicamento para ser feito, em paralelo com um eventual acompanhamento psi.Sucesso!

  4. deise de o. b. moutinho

    Muito bom esse tema,mas fiquei pensando como é triste ter que exigir , de um profissional que se propôs a estudar e se dedicar a cuidar de uma criança e depois não faze-lo, acho que falta na faculdade aulas de amor ao próximo , de carinho, de mostrar que não somos só esse corpo físico que também temos sentimentos , emoções… Mas quem sabe no futuro chegaremos lá e teremos mais médicos e menos negociantes de medicina.

    1. Dr. Roberto Cooper

      Prezada Deise,
      Obrigado por sua participação no blog. A faculdade ensina o médico a ver órgãos e doenças. Não nos ensina a ver pessoas. Enquanto não mudarmos o modelo da formação médica, vamos ter esse desencontro entre médicos e pacientes. Acredito que seja uma questão para ser falada, cada vez por mais gente. Só assim algo pode mudar. Além de falar, as pessoas podem (devem) deixar de ir em médicos que não as atendam como acham que deveriam ser atendidas.

  5. Ótimo texto mais uma vez doutor, é realmente importantíssimo ter um pediatra em que se confie.
    Passei por uma experiencia com um pediatra de Ps que só por deus, minha filha estava com tosse a 1 semana, por conveniência de morar perto levei ela ao PS, minha filha é muito branca, assim como nossa família, mas o pediatra que me atendeu disse q ela era muito branca e a tosse devia ser anemia. Marquei consulta com o meu pediatra que a diagnosticou com bronquite alérgica (asma) me passou o tratamento e a minha filhota esta Ótima e quanto a pele branca dela , ele me lembrou que ela acabou de fazer exame de sangue e esta tudo ok ( minha ultima consulta de rotina tinha sido a menos de 1 Mês) e foi so olhar meu marido, q ele disse que para ela mudar de cor so pintando(rs)( ja que quando pega sol tem que caprichar no protetor, se não vira um tomate).
    Levei 4 anos para encontrar um pediatra ideal, que senta, conversa com os pais tira as duvidas, me pergunta sobre o desenvolvimento dela e não me toca do consultorio em 5 min dizendo “isso é normal mãe’. e sim é particular, mas sua consulta não é cara e vale cada centavo, pelo tempo dedicado.
    Enfim, desculpe o texto longo, Mas é só para ressaltar que vale a pena sim , procurar um pediatra que s confie e deixar a emergência somente para emergência mesmo.

    1. Dr. Roberto Cooper

      Prezada Suelen,
      Muito obrigado por seu depoimento. Não tenho a menor dúvida de que sua vivência será muito mais impactante nos pais que nos leem do que qualquer post que eu possa escrever.

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