POR QUE MULHERES NOS ASSUSTAM?

mulher chagallComo ser original no dia Internacional da Mulher? Me ocorreu escrever algo sobre nós homens, diante das mulheres. Escolhi começar por uma pergunta muito provocadora que, provavelmente, vai gerar um certo olhar crítico, um levantar de sobrancelhas e uma cara de  desdém por parte dos meus pares masculinos. Para estes, começo por dizer que não sou filósofo, psicanalista, sociólogo ou antropólogo. Sou apenas um pediatra que está escrevendo sobre um assunto que me diz respeito na medida em que nós cuidamos da saúde das crianças visando também a sua vida adulta. E me alinho com aqueles que consideram uma vida saudável não apenas a ausência de doença, mas, a capacidade de se relacionar, interagir, respeitar diferenças, defender a liberdade e a dignidade humana. Uma sociedade saudável, essa que aparentemente todos nós desejamos, não acontece por um pensamento mágico. Ela é construída a partir de indivíduos que se comprometam com determinados valores como os que acabei de citar. 

Para começar, quem disse que mulheres nos assustam? Ninguém disse, mas eu fico pensando que se um ser humano como eu, é tratado de forma violenta, agredido, assassinado, de um modo tão intensivo quanto as mulheres são, deve haver algum sentimento muito forte que motive essa atitude bárbara. Se uma pessoa como eu, fazendo o mesmo trabalho do que eu, recebe menos do que eu, deve haver alguma percepção de desvalor que justifique essa desigualdade. Se a minha sexualidade pode ser explícita, minhas conquistas amorosas expostas com orgulho, minha roupa ser a que eu escolher, mas se exigir da mulher, recato, pudor, passividade e constrangimento com o erótico, deve haver alguma ameaça muito grande que explique esse comportamento. 

Eu poderia continuar com outros exemplos de como a mulher é desrespeitada, discriminada, desvalorizada. Basta olhar em torno para vermos, em toda parte, uma sociedade que é organizada em torno do homem, apesar de hoje, mais da metade dos domicílios brasileiros terem uma mulher como “chefe de família”.  Só para brincar com ideias, imaginem um diretor de empresa que, às 16h pede desculpas por não poder participar da reunião porque tem que buscar seus filhos na escola. Muito provavelmente será percebido como um pai participativo, amoroso, atuante. Agora, imaginemos a diretora que faz o mesmo. Muito provavelmente será vista como pouco comprometida com o trabalho ou empresa (e nós homens, na discrição da fofoca diremos- é o que dá colocar uma mulher na diretoria!). 

Mas, que sentimento é esse que nos faz tratar da mulher dessa forma? Claro que não é um só. Nunca é. Quero pensar a respeito de um que, salvo melhor juízo, aparece de forma disfarçada sob nomes mais “técnicos”: preconceito, machismo etc. Quero sugerir que nós homens temos medo das mulheres! O medo explicaria muito desse nosso comportamento. Medo de um ser mais frágil, menor do que nós? Que medo é esse?  

Temos medo do que na mulher é muito mais forte do que nós. E não são poucas coisas! Vamos começar pelo começo. O começo é a gravidez. É onde tudo e todos nós começamos. Quem tem essa capacidade, competência e sabedoria, é a mulher. A força de levar a vida adiante. Temos nossa contribuição, é óbvio. Mas, uma vez que a vida se instalou, só a mulher tem essa capacidade de leva-la adiante, até o momento em que esteja pronta (essa criança) a nos ser apresentada. Portanto, não só a mulher sustenta e suporta a nova vida, como a conhece muito antes de nós! A conhece em um nível que nós homens nem somos capazes de imaginar. Temos medo dessa força enorme! E mais, toda gravidez, em tese, nos coloca diante da insegurança da infidelidade. Nós os conquistadores gabolas, os sedutores irresistíveis, podemos não ser o pai daquela criança. Mas ela, mulher, tem a certeza de que é a mãe (ainda que ela mesmo não tenha de quem seja o pai). Certeza absoluta versus insegurança relativa, quem detém a força? Quem fica com medo?

Não satisfeita em assegurar que o bebê se desenvolva, a mulher, num ato de injustiça complementar da natureza, produz leite! Se ao menos ela ficasse grávida e nós produzíssemos leite, ainda daria para equilibrar um pouco essa história. Mas, não! Ela fica grávida e ela amamenta. Tudo ela! E tudo para o bebê, nada para mim. Nunca vou confessar isso em público, mas olha o medo de perder a minha mulher se instalando em mim! Ser pai vai incluir reconquistar essa mulher, separando-a do bebê, deixando bem claro que esta mulher é minha. Pais que fazem isso, entendem o que é a paternidade e aliviam seus filhos de um sentimento de disputa. Mas, até para se fazer esse gesto fundamental de interditar o filho à sua mãe, dá medo. Muitos não o fazem e as consequências para todos, mas, principalmente para os filhos podem ser terríveis.

Vamos dar um pulo no tempo, até a adolescência. Lá estamos nós, meninos e meninas, com uma overdose de hormônios circulando. Sexo passa a ser algo interessante. Misterioso, desconhecido, mas muito desejado. Ouvimos histórias dos mais velhos, todos “pescadores” contando lorotas. Lorotas que estabelecem um nível de excelência e performance que somente atletas sexuais olímpicos atingem. E lá estamos nós, diante da mulher. Se ela toma a iniciativa, ouso dizer que, na adolescência sairíamos correndo. Se ela não toma que seja dócil e passiva porque eu já estou assustado demais comigo mesmo. O medo do “fiasco” me obriga a desqualificar minha cúmplice.

Crescemos, a adolescência ficou para trás. Com ela, o medo. Certo? Errado! Millôr Fernandes dizia que a mulher tem uma enorme vantagem sobre o homem: “pode animar no meio”. Nós, temos que “largar animados”. Nesse cenário, quem tem mais medo?

Mudemos de prosa, uma vez mais. A mulher pensa diferente de nós. Ela é “complicada” demais. Mulher pensa diferente de nós porque usa mais recursos do que nós. Somos fortes e lógicos. Uma combinação que nos impede de pedir instruções, nem quando perdidos em uma estrada em país estrangeiro. Mulheres podem ser lógicas, como podem não o ser. Mulheres podem ser intuitivas, irracionais, ouvindo outros recantos da cabeça e do corpo. Ora, se a minha caixa de ferramentas só tem um martelo e a da mulher tem uma coleção completa, quem tem mais “força” para resolver problemas? Força assusta, mete medo!

E, para concluir, se com toda essa força, a mulher ainda é capaz de aninhar no nosso colo e dizer: me abraça com vontade porque eu adoro quando você faz isso, demonstrando uma aparente fragilidade que apenas reflete o entendimento que elas têm de nós (eles precisam se sentir os protetores!), não nos resta outra coisa a não ser ter muito medo.

Ou então, abrir mão desse lugar tão árido onde nos colocamos e passar a olhar a mulher com a admiração, respeito e consideração que ela, legitimamente merece. Não é um favor ou concessão que faremos. É o reconhecimento pleno dessa beleza diferente da nossa (sim, temos a nossa!)  e que não precisamos sufocar, excluir, denegrir porque não é uma ameaça, mas uma solução para a vida.

E o pediatra? O pediatra dirá que para que tenhamos uma sociedade saudável é preciso cuidar para que nossos meninos não herdem o que herdamos (nem nossas meninas). É preciso construir uma imagem da mulher que seja mais real e verdadeira do que essa que nos assusta e nos faz dizer e agir de forma bárbara. É preciso que libertemos nossos filhos e filhas de paradigmas falsos dando a eles a chance de uma vida mais harmônica e amorosa. Uma vida que as mulheres sabem nos ensinar. Basta querer aprender.

 

Para Carolina, filha, hoje mulher adulta, que muito me ensinou e ensina. Que ela persevere na sua busca por um sociedade mais respeitosa e acolhedora para as mulheres. 

24 comentários em “POR QUE MULHERES NOS ASSUSTAM?”

    1. Dr. Roberto Cooper

      Prezada Fernanda,
      Obrigado pelo comentário gentil. Fico feliz quando o que escrevo faz sentido para outra pessoa.

  1. Milena Limeira Pereira saraiva

    A cada leitura nesse blog, tenho a esperança que teremos um futuro melhor. Ao mesmo tempo, os textos me fazem refletir sobre nós, seres humanos, e que rumo estamos dando para as nossas crianças. Espero que eu e meu marido possamos educar nosso pequeno livre de preconceitos e paradigmas.
    Dr Roberto, muito obrigada por mais um presente

    1. Dr. Roberto Cooper

      Prezada Milena,
      Obrigado por seu comentário gentil. Certamente, por manterem uma atitude reflexiva e crítica, educarão seu filho com menos preconceitos e paradigmas. Sucesso!

    1. Dr. Roberto Cooper

      Prezada Ellen,
      Obrigado por seu comentário gentil (e exagerado!). Fico feliz quando o que escrevo faz sentido para outra pessoa.

  2. boa noite doutor: minha filha nasceu de 6 meses e ficou 3 meses na neo natal faz dois meses que ela ta em casa e hoje ela começou tossir e espirrar .oque devo fazer minha mae disse e que e uma gripe ?.Se o senhor poder me responder ficaria muito grata obrigada …

    1. Dr. Roberto Cooper

      Prezada Bruna,
      Como o blog não substitui uma consulta, seria irresponsabilidade minha opinar sobre a sua filha. Sugiro que converse com o pediatra para que ele lhe oriente.

  3. Lorelai Schneider

    Dr. Roberto:
    Mais uma vez você demonstrou sua incrível empatia. Que grande capacidade a sua, esta de se colocar no lugar das outras pessoas !
    Mas eu gostaria de fazer umas observações sobre isto de maternidade/paternidade.
    Os homens tem muitas vantagens nesta história:
    1- Homens podem ter vários filhos sem esforço, podendo “distribuir” seu material genético muito mais vezes que as mulheres. Muitas mulheres gostariam de ter vários filhos, mas fica bem mais difícil, já que somos nós que temos que arcar com a dedicação física/ corporal disto. Por mais maravilhoso que seja carregar o bebê, parir e amamentar, é um esforço que é complicado de se repetir tantas vezes.
    2- Mesmo que as mulheres tenham que empenhar mais esforços para serem mães (carregar o bebê na barriga, parir e amamentar), as mulheres transmitem a mesma porcentagem genética que os homens, os mesmos 50%. Os homens têm 50% com muito menos esforço !!!! Olha que beleza. OK, tá bom, podem ter dúvidas sobre isso…
    3- Os homens podem ser pais em (quase) qualquer idade, enquanto que as mulheres têm uma insuperável limitação para isto. Não é relevante poder formar uma família em qualquer época da vida?
    Ou seja, para usufruir da maravilhosa experiência de se ter um filho, os homens têm muito mais facilidades. O que quero dizer é que os fins são mais importantes que os meios. Afinal, os meios de se ter (gravidez, parto e amamentação) não deveriam ser tão mais valorizados que a finalidade, que é a parentalidade, ou seja, ser pai ou ser mãe. O que importa não é ter carregado na barriga ou não, amamentado ou não. O que importa é o filho, que é o resultado disto tudo. Resumindo: o que é incrível é a maravilhosa experiência de amar, de educar um ser humano, o que nos faz ter alguma esperança no futuro da humanidade. Desculpe se extrapolei o assunto.
    Abraços
    Lorelai

    1. Dr. Roberto Cooper

      Lorelai,
      Não deixa de ser um ponto de vista interessante e verdadeiro. Não vou polemizar com você, mesmo porque acho que tem razão nos pontos levantadas, mas, eu diria que dois aspectos nos marcam (nós homens): a paternidade é uma interrogação e a função de distribuidor de cromossomos nos deixa menos próximo da emoção e do afeto. O primeiro ponto é um clássico das existência humana. O segundo, me parece que é algo que começa a se modificar com a formação de famílias nucleares, mais fechadas, quase que obrigando o homem a entrar em contato com algo que não lhe pertencia- o afeto. Em dado momento, o homem era apenas um meio também. Enquanto as mulheres, sempre um meio, viviam a emoção.
      Só não sei se dá para ter esperança no futuro da humanidade! Se olharmos em volta, principalmente neste momento, é um pouco assustador. Ou um Donald Trump não assusta? Nem citei Brasília! Obrigado por sua participação continuada no blog.

  4. Lorelai Schneider

    Dr. Roberto:
    Preciso fazer mais um elogio: foi muito engraçada a parte do texto em que você reconhece a teimosia dos homens em não pedir informações sobre localização. Isto é a mais pura verdade! Os homens se recusam terminantemente a pedir informações. É muito engraçado isto, eu me divirto. Vocês quebram cabeça, vão parar em becos sem saída mas não pedem informações de jeito nenhum. Esta é a estatística das minhas experiências pessoais: 100% das vezes em que eu estava em qualquer companhia masculina e nos perdíamos em algum lugar, principalmente em viagens, os representantes masculinos se recusavam a solicitar qualquer ajuda a alguém. Afinal, isto é um complô masculino mundial? kkkkkkkkk
    Abraços
    Lorelai

    1. Dr. Roberto Cooper

      Lorelai,
      Não vou explicar como isso funciona. Você nunca entenderia. Mas, resumidamente, nós sabemos o caminho. Mesmo quando perdidos!

  5. Excelente texto, doutor!!
    Pode esclarecer uma dúvida minha? É possível alguém pegar zica mais de uma vez? Nunca tive zica, mas cancelei uma viagem ao Nordeste por medo de pegar, e queria saber se p senhor acha que minha atitude de cancelar uma viagem para o Nordeste (ia fazer uma viagem por Alagoas e Paraíba) por medo de pegar zica foi certa? Ou foi um pouco radical demais?

    1. Dr. Roberto Cooper

      Rosita,
      Em princípio uma pessoa só contraí o Zika vírus uma única vez. Mas, como conhecemos pouco sobre este vírus, ainda é cedo para fazermos afirmações. Quanto ao cancelamento da viagem, foi uma decisão pessoal onde não cabe opinião médica ou de outras pessoas. A aversão ao risco é algo que só diz respeito à pessoa.

  6. Estou com dor intensa nos joelhos, tão forte que chega a limitar os movimentos, acompanhada de edema em ambos os joelhos com petequias, principalmente no joelho esquerdo, e minha dúvida é: esses sintomas podem ser encontrados na fase crônica da chikungunya?

    1. Dr. Roberto Cooper

      Prezada Rosita,
      O Conselho Federal de Medicina proíbe, com razão, consultas pela internet. Sugiro que procure um médico para lhe examinar e orientar.

      1. No problem, man! Eu não queria uma “consulta virtual”, mas sim saber se edema e dor nas juntas podem ser sintomas da fase crônica da febre chikungunya….esses sintomas podem estar presentes?

  7. Fabiane Halfen

    Lindo texto!
    Acabo de ver sua entrevista na globonews e amei! Concordo 100% com tudo que voçê disse na etrevista…
    Obrigada por ser um Pediatra maravilhoso, ético e com muito amor a sua profissao!
    A sociedade precisa de pessoas Como
    Você.

    1. Dr. Roberto Cooper

      Prezada Fabiane,
      Obrigado por suas palavras gentis. Fico feliz quando o que escrevo faz sentido para outra pessoa.

  8. Adriana Lasalvia

    Quanta sensibilidade e verdade num so texto. Quem dera mais homens pudessem ter essa percepçao, talvez teríamos mais gentilezas e amor ao redor. Parabéns pelo humano que demosntra ser!!!!

    1. Dr. Roberto Cooper

      Prezada Adriana,
      Obrigado por seu comentário gentil. Fico feliz quando o que escrevo faz sentido para outra pessoa.

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