Hoje, o mundo cristão celebra a sua Páscoa. Em menos de um mês, no dia 22 de abril, o mundo judaico celebra a sua Pesach. É uma festa alegre, para ambas as religiões porque evoca a renovação e a libertação. Portanto, o simbolismo da Páscoa, mesmo para as pessoas que não professam nenhuma fé religiosa é muito bonito e nos toca, diretamente. Nos toca porque fala de uma esperança, não aquela mágica ou milagrosa, mas uma que podemos incorporar no nosso cotidiano. Todos nós podemos almejar e agir, no sentido de vermos nossas vidas renovadas. Talvez um dos nossos equívocos, humanos, seja o de só fazer o registro do grande evento, do acontecimento surpreendente, sem notar as pequenas, porém significativos pequenos eventos do nosso dia a dia. Assim, a renovação só seria percebida quando uma mega sena batesse à nossa porta, mudando, radicalmente, nossas vidas. Mas, a pergunta que fica no ar, com a celebração das páscoas (cristã e judaica) é se não há uma renovação possível no nosso cotidiano? Uma que não seja espetacular, feérica, retumbante, simplesmente aconteça, pequena e discreta? Do mesmo modo, nos queixamos de rotinas que mais parecem nos escravizar e, novamente, as páscoas nos provocam a buscar, não uma fuga do Egito com o mar se abrindo (isso sim seria algo realmente espetacular!), mas uma libertação cotidiana. Tanto a renovação e a libertação de que fala o simbolismo das páscoas, depende mais de nós do que de uma intervenção externa, maior, divina.
Como então fazer acontecer essa renovação e libertação cotidiana? Se eu soubesse a resposta já teria escrito um best seller de autoajuda e estaria milionário! Como não tenho respostas, me propus, hoje, a olhar para minha inspiração profissional e grande prazer da vida- a criança. Estou convencido de que nós adultos perdemos oportunidades incríveis por não olharmos para as crianças como mentoras, tutoras, mestras, na arte do viver de forma renovada e livre. Claro que temos nossas responsabilidades como educadores, apresentadores do mundo, introdutores dos limites, necessários ao bom desenvolvimento de nossos filhos. Mas, hoje, apenas como exercício lúdico, como uma brincadeira de páscoa, vamos olhar para nossos filhos como professores de vida. O que podemos aprender com eles? Sem ser por ordem de prioridade ou até relacionando tudo que podemos aprender, proponho, a seguir, algumas coisas que poderíamos aprender (ou rememorar) com as crianças.
1- Tempo- Em um mundo veloz, eletronicamente conectado, instantâneo, tempo é um bem que se torna escasso. Falta tempo, sempre. Se eu tivesse mais tempo é um sonho de muitos. Tempo é dinheiro e este se tornou medida de eficiência. Se você é bom no que faz isso se reflete no quanto você ganha. Os versos de Pessoa se tornam uma realidade (cruel?):
Navegadores antigos tinham uma frase gloriosa:
“Navegar é preciso; viver não é preciso”.
Crianças não precisam navegar, só viver. Viver para o prazer das descobertas, do afeto, do jogo. Crianças não precisam chegar ao cais, bater metas, cumprir objetivos. Crianças vivem e ponto.
Não sou ingênuo a ponto de propor que deixemos de lado nossas obrigações e compromissos. Apenas sugiro que, como movimento de renovação e libertação, nos demos conta da importância que é viver (ainda que navegar seja preciso), hoje. Com frequência nos iludimos com o “depois”. Primeiro farei isso, para depois então usufruir e viver. Que tal pensarmos em trazer esse depois para hoje?
2- Certezas e convicções- para muitos de nós, a vida adulta se caracteriza por certezas e convicções bem estabelecidas. Temos um senso de estética bem definido, valores morais desenhados, sabemos como o mundo “deveria ser” para que fosse um lugar melhor. Esse “deveria ser” é exatamente o nosso conjunto de certezas e convicções. Não raro, nos tornamos prisioneiros de nossas convicções. Como olhar para algo que acreditei por tanto tempo, com um olhar crítico? Crianças não possuem sistemas de crenças estabelecidos. São, por definição, a curiosidade ambulante. Não raro, suas perguntas nos deixam impactados e sem respostas, apesar de todas nossas convicções. Papai, porque você passou pelo sinal vermelho? Mamãe porque você disse para aquele moço que você não tinha um trocado? Crianças estão livres para a descoberta do mundo, sua imensidão, contradições e paradoxos, sem uma moldura rígida que a vida adulta nos dará (e muitos vamos sentir orgulho de andar para lá e para cá com nossas molduras, ainda que barrocas!). Certezas e convicções nos afastam de pensar de forma diferente, de ampliar nossos horizontes e, em última análise, de poder interagir de forma respeitosa com um ser humano que não pense como eu.
Claro que não estou propondo um viver sem norte, sem rumo, sem valores pessoais. Seria tolice ou imaturidade minha. Mas, frequentemente, existe um rigor nas nossas convicções que podemos tornar mais maleáveis, aprendendo com as crianças a manter um olhar de curiosidade e espanto, sem juízo de valores, para a imensidão do mundo.
3- Ser e ter- Muito se falou e escreveu sobre sociedade de consumo e a forma como ter algo passou a substituir o ser alguém. Sou reconhecido pelo que tenho (carro, bolsa, casa, caneta etc.) e não pelo que sou (simpático, chato, ranzinza, bem-humorado, culto etc.). Ser, aparentemente, perdeu seu valor para o ter. Plagiando o Pessoa do início deste blog: ter é preciso; ser não é preciso não! Crianças adoram ter, dirão alguns dos leitores deste blog. Sem dúvida que adoram ter, mas, antes desse gostar (que é estimulado por nós, adultos), crianças são. Sua existência não é dada por uma posse, mas por um afeto existencial. O colo, o peito, o acolhimento, fazem o bebê poder formar uma identidade (se tornar um ser), antes que qualquer noção de posse ou propriedade se instale (sei que os psi me dirão que existe posse que não é de objetos e coisas, mas, peço uma trégua teórica para o pediatra!). A noção de ter algo e mais, desejar ter esse algo, só se instala em uma criança maior, estimulada por nós adultos. Tanto isso é um fato que, não raro, crianças se divertem mais abrindo os presentes, rasgando os papéis, brincando com as fitas, do que com o objeto em si.
Evidentemente que, vivendo numa sociedade de consumo, não poderia advogar em favor de um desprendimento total e absoluto. Mas, o que podemos aprender com nossos filhos é que ser precede o ter. Mais do que aprender, buscar reviver essa memória porque já fomos bebês e nos formamos em seres, antes de termos tudo que temos hoje. Ser, neste caso significaria olhar para si, para seus desejos que não exclusivamente materiais e buscar a realização através destes também. O vazio existencial não pode ser preenchido por pela compra de objetos. Nos tornamos adictos de objetos e a cada “soluço existencial” temos que ir às compras! Quem sabe, um mergulho nas águas dos nossos desejos imateriais como os afetivos, amorosos ou mesmo de realização através de novos conhecimentos e aptidões, não diretamente relacionados a uma profissão ou produtividade, nos façam sentir mais tranquilos. Talvez, desta forma, possamos ser quem somos para nossos filhos, sem a necessidade de darmos, continuadamente, coisas para eles.
Paro por aqui, na expectativa de que cada leitor continue esta relação de aprendizados que podemos ter com nossas crianças. Elas são a representação viva da Páscoa: livres e em constante renovação.
FELIZ PÁSCOA (todos os dias)!
8 comentários em “PÁSCOA!”
seus textos são de uma simplicidade e sabedoria maravilhosas… teria sido uma professora diferente se os tivesse lido antes… que os sentimentos de esperança e renovação estejam em nós todos os dias…abraço
Prezada Monica,
Obrigado por seu comentário gentil. Fico feliz quando o que escrevo faz sentido para outra pessoa.
Dr.,
Quais as medidas que podem evitar o contágio da gripe suína? E qual a diferença da vacina da rede pública para a privada?
Grata,
Rosita
Prezada Rosita,
Lavar as mãos com maior frequência seria a medida mais prática e factível. As vacinas trivalentes aplicadas na rede pública são idênticas às trivalentes aplicadas no setor privado. Este último oferece ainda uma vacina quadrivalente que possui mais um componente na sua formulação.
Gostei muito dos textos, entrei pq estava sem dormir meu filho com muita tosse, medicado e mesmo assim me deixando louca. Pesquisando e encontrei uma publicação antiga li e acabei ficando mais tempo por aqui, me acalmei com os textos e meu filho dormiu.
Prezada Neida,
Obrigado por participar do blog. Fico feliz quando o que escrevo faz sentido para outra pessoa.
O que difere a gripe suína da gripe comum?
Rosita,
Infelizmente eu não tenho uma equipe para responder a todas as perguntas que me fazem. Sugiro, para estes casos, que procure os sites confiáveis do Ministério da Saúde ou de Sociedades Médicas.