Ora, até uma criança sabe a resposta a essa pergunta: claro que existe! Existe porque somos seres simbólicos e adoramos uma fábula. E não são só nossos filhos que adoram uma historinha. Nós adultos, mantemos esse fascínio por fábulas. Claro que não são mais histórias de princesas, dragões, porquinhos e bruxas. Mas, adoramos ouvir fábulas de suplementos, vitaminas, cremes, alimentos que fazem isso ou aquilo, novos exercícios que fazem perder milhares de calorias em poucos minutos, métodos para mantermos a memória ou aumentarmos a libido, livros que garantem a felicidade plena em 10 passos, sem esquecer a quantidade de pessoas que devolvem a pessoa amada em três dias! A lista de fábulas que nós adultos nos contamos mutuamente é interminável. E ainda temos a ousadia de questionarmos se Papai Noel existe!
A fábula tem uma função importante no desenvolvimento das crianças ao estimular a criatividade e contribuir para que elas lidem com as questões da vida, inicialmente de forma lúdica. Nesse contexto, não há nenhuma discussão a respeito da existência do Papai Noel. Só nos resta definir que Papai Noel vai existir. Como assim, existe mais de um Papai Noel? Sendo uma narrativa, existirão tantos Papais Noel quantas narrativas existirem. Mas, basicamente, existem dois Papais Noel e devemos escolher qual deles será o que vamos apresentar aos nossos filhos.
Existe o Papai Noel que representa a sociedade de consumo, trazendo presentes, se tornando o destinatário de listas intermináveis de pedidos. De alguma forma, esse Papai Noel existirá em todas as narrativas porque vivemos em uma sociedade onde o consumo é algo hipertrofiado e que, muitas vezes, preenche vazios existenciais das pessoas. Esse vazio não é só dos adultos que acabam confundindo ser com ter. Para muitos, o que eu tenho define quem eu sou. Como a possibilidade de ter é sempre infinita, a sensação de ser é frágil e sujeita aos modismos de consumo. Assim que eu acabo de comprar o tablet de última geração, me tornando alguém, lançam outro e passo a me sentir vulnerável, inseguro, por não TER o último modelo. Se os pais são consumistas ou mesmo que não sejam, mas por vários motivos se sintam “devedores” dos filhos (trabalham muito, por exemplo), podem tentar “compensar” com a compra de presentes. Esse Papai Noel é o do comércio que tenta nos confundir com mensagens que embaralham objetos, coisas, com afeto e emoção. Esse Papai Noel de listas enormes e pouco ou nenhum limite, é uma narrativa que ensinará nossos filhos a se tornarem consumidores vorazes, muitas vezes na tentativa de preencher uma lacuna que não é de coisas materiais. Esse é o Papai Noel que incentiva o egocentrismo porque a minha felicidade está em ter o que o outro não tem.
Existe um outro Papai Noel que representa a bondade, solidariedade e generosidade. Um Papai Noel que fala sobre quem somos, antes de falar sobre o que temos. Um Papai Noel que recebe uma cartinha onde eu conto o que eu fiz no ano que passou e não só uma lista do que eu quero. Quando pedimos a nossos filhos que escrevam contando o que fizeram, estamos dando a oportunidade (e o aprendizado) de que parem um minuto para pensar nas suas realizações e não só nos seus desejos de possuir algo. Um Papai Noel que tem limites nas possibilidades de presentear, que associa presentes a algum mérito e que coloca cada criança como fazendo parte de um universo de outras crianças (ele tem muito trabalho, precisa visitar todas as crianças), fazendo com que cada uma se sinta especial, mas não única. Esse Papai Noel é o do afeto e do carinho. É o que ensinará nossos filhos que as coisas (objetos) fazem parte das nossas vidas e nos dão muito prazer, mas que nossa felicidade não pode ser definida pelo que temos e sim por quem somos. Somos humanos e como tal, seres carregados de emoção e empatia, além de, também, sermos racionais. Somos, originalmente, gregários, dependendo uns dos outros. Podemos (e somos) diferentes em muitas coisas, mas, nem melhores, nem piores do que ninguém. Esse é o Papai Noel que incentiva a solidariedade porque, diferente do que ocorre com objetos, quanto mais dividimos emoções e sentimentos, mais se multiplicam.
Cada família vai escolher qual narrativa de Papai Noel quer para si e, consequentemente, para seus filhos.
Um Natal alegre e afetivo para todos!
3 comentários em “PAPAI NOEL EXISTE?”
Dr. Roberto:
Como sempre, mais uma vez você escreveu uma análise conseguindo se aprofundar em poucas palavras.
Eu tive a seguinte impressão: parece uma abordagem sobre o consumismo, mas por outra ótica !
Teve alguma inspiração no tema do consumismo “infantil” ?
Abraços
Lorelai
Lorelai, certamente que nossa troca de e-mails a respeito do consumismo serviu de fonte de inspiração para este post. Me pareceu um momento “concreto” para falarmos do tema. Obrigado.
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